quinta-feira, 6 de junho de 2019

Luis Lobo, 1º português em Estocolmo. Empenos, chocolate, psicanálise, dilema...

A maratona do ponto de vista de um atleta de baixa competição!

Treze maratonas concluídas, onze delas abaixo das três horas. Quando olho para a coluna lateral direita do blogue, onde estão as fotos das t-shirts com as medalhas, e respetivos tempos, ainda paro para pensar… Mas… A sério?!


Estocolmo 

Vou começar pela cidade. Quem foi a Helsínquia, como eu fui o ano passado, dá a sensação de déjà vu. Muitos sítios idênticos, a organização, o preço da cerveja, pessoal simpático, tudo no seu devido lugar. Estão a ver Marrakesh? Não tem nada a ver!!!
Só uma observação, não há dinheiro físico, moedas  e notas... Só em museus!
Fiquei intrigado com um parque de diversões que encontrei lá. Se tem sido antes da maratona… Se eu sentisse algum osso inteiro no corpo, tinha ido “morrer" um bocadinho naquelas torres. Mas não dava, os ossos estavam debilitados demais. Não fosse perder um fémur ou uma tíbia na descida… Parecendo que não, são peças que dão um certo jeito ao esqueleto!!!


A preparação 

Não me lembro de nada assim, e já tive planos de treinos atribulados, mas nada parecido.
Com o apanhar das canas, e limpeza do recinto, começo a arranjar culpados. Para ser sincero, culpado…
Saio inteiro de Marrakesh, a sacroilíaca esquerda que tanto me tinha apoquentado estava a dar-me descanso. O facto de ter corrido muito tempo com a dor, fez com que sacrificasse os músculos da coxa para proteger a articulação. Mas do alto da minha sabedoria, nada que uns dias de descanso não deixassem tudo cinco estrelas. Foi assim? É capaz de não ter sido!
Chego com dores a Mértola, e a confidenciar que ia apenas à caminhada, não ia forçar. E fui. Durante os primeiros dois km… O resto já se sabe, no pós trilhos, quinze dias sem correr. O que faço imediatamente a seguir? Uso novamente o meu "sábio" conhecimento, no tabuleiro da Ponte 25 de Abril. “Há duas semanas que não corro,  vou só experimentar e depois logo vejo”. No mesmo ritmo que comecei (muito alto), fiz toda a prova, com dores a sério a partir dos quinze km. O curioso é que, no outro dia não tinha dores. Aproveitei para descansar os ossos? Naaahhh, se não há dores, vamos aproveitar, vamos à carga. Até me cheguei a queixar de sobrecarga de km… Amigo, a fatura vem já a seguir… A cervical a dizer ao menino, se calhar é melhor reunires com o teu treinador, há muita coisa a ser mal feita… A velha rábula da manta curta. Se puxas para cobrir a cabeça, ficas com os pés destapados. Não deixei de treinar, mas nos entretantos  fui pôr os ossos no lugar. Tirei por completo a velocidade, zero treinos técnicos, muita corrida de descompressão. Chego a Lagos com ordem de não forçar. Não aconteceu… Não cumpri o que tinha acordado comigo, e tive ainda o desgaste extra da temperatura muito elevada. Nova semana de treinos com pinças. Ainda tinha o longo de trinta e cinco km para fazer. O treino mais importante do meu plano. Claro que tem que haver um equilíbrio no geral, coisa que estava a anos luz. Como é que correu? Muito, muito mal! Só batido pelos trinta e cinco da preparação para Lisboa 2014, uma infernal viagem ao meu Vietname. Casa, Castro Verde, Casa. Desta vez foi na minha suposta zona  de conforto. Quarteira, Vilamoura, Albufeira. Não foi infernal, mas foi muito ruim, mesmo. Como faltavam quinze dias, nada havia a fazer. Se fosse tentar recuperar tempo perdido, só piorava. Agarra-te a uma sapatilha e chora um pouco rapaz… Por essa falta de juízo!!! 
Já agora deixar uma nota para o último treino.
Treino de seis km que faço na véspera, na cidade da prova, sempre com a t-shirt da maratona do Porto 2015 (para nunca me esquecer o sítio, e o dia onde mais sofri nas corridas). Correu cinco estrelas. Ainda deu para fazer uma série e tudo!!! Nunca pior!


O título do post

Desta vez o título, Luis Lobo, o 1º português a terminar a maratona… Veio de fora, uma publicação da revista online de Atletismo. 
O que achei mais curioso? O meu nome por baixo de uma fotografia, numa notícia relacionada com corrida, em que o título inclui Etíopes… Tomem lá… Seus… Quenianos!!! Vá, a palavra "Quenianos", também está no corpo do texto...

Agora a sério, com a devida distância (muita, muita distância) que está o meu amadorismo, com a elite da corrida. Ver aquela conjugação de nomes, deu-me muita, muita vontade de rir. 

Fica a transcrição da notícia.
Luis Lobo foi o 1º português com 2h54m58s

Os etíopes dominaram a Maratona de Estocolmo disputada no passado sábado ao vencerem em masculinos e femininos. Os tempos dos vencedores ficaram longe das grandes marcas mundiais, numa prova que teve 12.351 classificados, dos quais, 3.555 do sexo feminino (28,8%).
Venceu Nigussie Sahlesilassie em 2h10m10s, seguido de três quenianos. O sueco Adhanom Abraha foi o primeiro europeu ao chegar em 6º lugar com 2h16m48s.
Luís Lobo foi o 1º português ao ser 184º classificado com 2h54m58s.
Em femininos, Aberash Fayesa venceu em 2h33m38s, seguida da japonesa Haruka Tamaguchi a 26 segundos e da sueca Mikaela Larsson a 2m54s. 25 atletas conseguiram tempos abaixo das três horas.
O/a atleta mais velho/a a completar a prova foi uma sueca do escalão +80 anos que fez 6h10m08s. Atrás dela, ainda ficaram mais cinco atletas.”


O percurso 

Aproveito o percurso  para comentar a notícia. “…ficaram longe das grandes marcas mundiais…”.
O percurso não é favorável a tempos rápidos, vou deixar a foto da altimetria. Das provas que concluí, só mesmo Helsínquia tinha mais dificuldade. Sei o que custa um minuto numa maratona. O atleta que ganhou, com o mesmo esforço fazia menos quatro minutos em Sevilha, por exemplo. Sim, não era na mesma nada parecido com o recorde do mundo. Mas Kipchoges, não estão aí ao virar da esquina a correr na “pista" em Berlim. As dificuldades para a elite, só valorizam os tempos dos coxos, como eu!


A organização 

Desde o levantar dos dorsais até que abandonei o Estádio Olímpico de Estocolmo, depois de terminar a prova, nada a apontar.
Os dorsais são imprimidos na hora, se não apareceres, não se gasta papel. Nunca tinha visto tal. Dez balcões de atendimento com as respetivas impressoras, zero tempo de espera, é só dizeres ao que vens…
A feira era mais ou menos do tamanho da Primark de Portimão (a de Helsínquia era mais pequena… Lembram -se? (Risos)).
Asics Stockholm Marathon. Qual era a única marca de equipamentos desportivos??? Pois com certeza, Asics. Com as Metaride em destaque. Garantem que é só calçar, elas fazem o resto, a pessoa até pode estar no sofá a ver televisão e a comer bolachas (“deslarguem” as bolachas, se faz favor). Estavam em promoção. Cá podemos comprar por 250 euros, na feira tinham um preço promocional de 260… Promoções suecas!!! Ainda estou curioso para ver como é que  a Adidas responde à Asics, e à Nike. Depois das Metaride e as Vaporfly 4% Flyknit, respectivamente. As Ultraboost já não chega rapazes. Possivelmente vem aí alguma coisa feita por alienígenas,  só pode!!!
No saco promocional da maratona vinha a entrada na pasta party. Muito bem organizada à  porta do estádio Olímpico. Muita qualidade na papinha. Só já faltava correr…


A prova

Ao meio dia… Pessoal da Suécia, hora de almoço, não percebo… Está bem, já que tem que ser!!!
Com a preparação que relatei, a coisa prometia. Apesar da hora, estava uma temperatura espetacular, não era por aí que ia correr mal. Ainda mal tinha começado, ao km três, uma taquicardia. Em maratonas apenas tinha acontecido em Lisboa 2013, na primeira de todas. Dez minutos à espera em Cascais ao km cinco. Desta vez em pouco mais de dois minutos estabilizou. Volto à pista, numa reta, vejo ao longe o balão das três horas. A sério Luis!!!
Situação que não era experienciada há muitos anos… Olha, é uma referência. Ao km sete estava no grupo, durante uns longos vinte segundos ainda pensei. “E se eu fosse aqui com o pessoal?! Naaahhh, siga. Corrida mesmo de trás para a frente, sem nunca olhar ao relógio. Passo ao pórtico da meia maratona, aí sou obrigado a ver o tempo, 1:27, já tinha ganho três minutos ao balão. Na segunda metade levei 1:27:58, mais culpa da altimetria que publiquei, do que quebra da minha parte. A segunda meia maratona era efetivamente mais difícil.
Como é que teria sido sem a taquicardia? Isso agora não interessa nada. Durante a recuperação no terreno, recorri à minha história nas maratonas, onde já passei muitas dificuldades, recorri a todos aqueles que torcem mesmo por mim, é muita gente, e olhem que eu sei quem são… E fui por ali estrada fora...
Sozinho, não dava!!! Muito obrigado!


A taquicardia 

Só vou voltar a falar disto, porque há muito tempo que não se passava. Não vá algum dos leitores que vão aparecendo, pensar que é algo de grave.
Não há dois casos iguais, a minha taquicardia acompanha-me desde criança. Não está diretamente ligada ao esforço. É um impulso elétrico que faz os batimentos  cardíacos aumentarem mais cento e cinquenta batidas do que o normal. É muito comum num baixar ou levantar brusco. A diferença que acontece, entre quando estou parado, ou a correr, é no tempo que pode levar a estabilizar. Se for parado, dez segundos de serenidade são suficientes. Na corrida, como as pulsações estão mais altas, pode demorar um pouco mais. Fica o exemplo. Estocolmo, dois minutos, Lisboa 2013, dez minutos. Um dos motivos de não fazer mais provas de trail é esse. A diversidade de pisos e respetivas mudanças de velocidade, são meio caminho andado para as taquicardias. E depois tenho que estar ali à espera, à espera… Como diz o meu cardiologista. “Você pode morrer de qualquer coisa, não lhe posso garantir que não é do coração, mas não  tem que ser por causa dessas taquicardias”. E eu respondo-lhe. ”SE... Eu chegar a morrer!!!”
Já tenho registos de outras subidas repentinas das pulsações, mas não tem bem a ver com corrida…


Ferrero Rocher e Mon Cheri

Vou utilizar o  que costumam dizer nas publicidades destes dois chocolates e fazer um paralelismo.
Vem aí o Verão, o Ferrero Rocher e o Mon Cheri vão desaparecer das prateleiras dos supermercados, voltam quando o tempo estiver mais frio. Pois, vem aí o Verão, e eu vou desaparecer de provas até que venha o frio. Corridas a sério, se for caso disso, só no Outono. Um período de merecido descanso. Com corrida à mistura, mas corrida para descansar!
As marcas de chocolate utilizadas, foi só para efeitos de escrita. Porque a minha marca preferida, é Lindt. Com mais ou menos percentagem de cacau, prefiro com mais, mas Lindt. E não é que encontrei uma diversidadezita em Estocolmo…



A consciência e o dilema 

Em criança era comum nas bandas desenhadas, aparecerem nas ilustrações  à nossa consciência. Um anjinho e um diabinho.
No dia a dia, tento que haja um empate de forças. Vá,  nem sempre consigo... Mas tento!!! Quando calço as sapatilhas para participar numa prova intermédia, dentro do plano da maratona, tenho um anjinho e uma “matilha" de diabinhos. Eu não faço ideia de como é que cheguei aqui. Mas pelo menos estou a tentar perceber o que levou a este "trauma". 
Traço uma linha do que vou fazer, ou não, durante a prova. Dura mais ou menos, pouco mais que nada. Ainda mal comecei, sinto os tridentes da matilha a picar-me as orelhas e a arranjar mil desculpas para correr sem reservas. “Não há problema, depois descansas"… “Assim ficas a saber a  gravidade da lesão”… “Vai-se a ver e até ajuda na preparação”… Etc, etc, etc, etc, etc… O exagero de eteceteras, é porque arranjo mesmo mil desculpas a favor dos diabinhos. Mil desculpas!
E é aqui que surge o dilema.
Recorro à psicanálise, faço uma catarse, de forma a ir à essência da questão. Descubro o problema, faço um reset e começo tudo de novo? Dava-me imenso jeito ter anjinhos extra ali à mão de semear, sempre que estou, nessas provas intermédias.
Mas depois há  o reverso da moeda... O que  me leva a ter muitas dúvidas sobre o que fazer...
Para mim, o grande, grande problema... É  que eu nos dias das maratonas, a minha distância de eleição... Preciso imenso do diabo que tenho dentro de mim…

Acho que já escrevi sobre isso, mas nunca é demais lembrar. Atenção… A catarse… Não é aquilo, que os macacos fazem uns aos outros!!!

Boas corridas!