quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Marrakesh 2019, uma lança em África. Operação 21!

A maratona do ponto de vista de um atleta de baixa competição!
Complexa esta décima segunda aventura, mais concretamente, até chegar a Marrakesh. Vou tentar pôr isto de forma cronológica, para não me perder na escrita.

Com a intenção de arranjar uma prova para participar no início de 2019, surge Marrakesh Marathon 2019, no horizonte. Partilhei a ideia ao pessoal, cada um iria decidir a seu tempo. Da minha parte estava decidido a embarcar na aventura. Pouco tempo depois de vir da Holanda, reservei viagem e fiz a inscrição. A antecipação  dos atos faz com que as coisas fiquem relativamente mais baratas. Depois corremos o risco de perder tudo, mas é isso mesmo, é um risco. 

Como é hábito, começo um plano de treinos, com 21 km em ritmo moderado. Desta vez não foi exceção. Na segunda semana do plano, um treino técnico, com intensidade à mistura, fez com que uma moinha antiga, se transformasse em incómodo a sério. Já andava a adiar a ida a exames há algumas maratonas. Achei que estava na hora de tentar perceber o que se estava a passar. Tomei a decisão de suspender o plano de treinos, e consequentemente a maratona em Marrocos. Mais uma vez comuniquei à maralha do Norte. Como ninguém tinha feito ainda nenhum investimento, ficou reservado para uma outra oportunidade.

Vou ter que fazer um flashback.

Depois de ter feito duas ou três maratonas, marquei uma consulta num ortopedista, no HP de Loulé. Ao entrar no consultório, qual a primeira pergunta do médico? Então do que é que se queixa? De nada, respondi eu. Então veio cá fazer o quê?
Depois de resumir um pouco a história das corridas, disse-lhe que estava preocupado porque estava sempre a ser confrontado com pessoas que tomam coisas antes, durante, e depois dos treinos, e eu não tomo nada. Posso estar à fazer alguma coisa mal. Posso estar à prejudicar o esqueleto.
O médico fez umas perguntas de rotina. Quando faz treinos mais intensos, mais longos recupera bem? Não fica com nenhuma dor que o incomode, faz os treinos de recuperação, e tem vontade de continuar a treinar? 
Só não tenho vontade de treinar a maior parte das vezes, por causa da preguiça, do cansaço não!
Faz uma alimentação equilibrada?
Sim, como quase tudo. Só não como carne de porco, de vaca, de borrego, de cabrito, migas, papas de milho, natas… E vá, não gosto muito de doces… Quanto ao resto, como tudo!!!
E bebidas?
Café, água, cerveja e vinho… Vá, se for bom, champanhe!!!
Volte cá quando tiver alguma queixa, não lhe posso fazer nada…
Quando entrei agora no consultório, no início de Dezembro, uns anos depois da primeira consulta. Qual foi a reação do médico? 
Afinal o maratonista sempre se lesionou… 
Bem disposto este profissional da medicina!!! (Profissional impecável)
Resumindo, fez despiste com movimentos físicos, disse-me que em princípio não tinha nada nos ossos, mas para descargo de consciência e poder apurar, ia fazer um RX à bacia, e uma TAC à coluna. Deu-me permissão para continuar a correr, pediu para reduzir ritmos de forma que não me incomodasse, e também procurar os pisos menos agressivos ao ossos, terra batida por exemplo.
Como as salas dos exames estavam em remodelação no Hospital, tive que marcar na clínica em Faro. Isso só veio atrasar o processo. Fiquei aborrecido? Não!  Estava desejando saber os resultados, mas só se fossem positivos. Se não fossem não estava…. Acho que somos todos assim…

Com a organização da São Silvestre às costas, pouco tempo sobrou para treinos em Dezembro. Marrakesh já tinha desaparecido do horizonte. Não deixei de treinar, distâncias curtas, e sem intensidade, quando podia, ia passear as sapatilhas. No início de Dezembro ainda fiz dois “longos“ de 21 km em ritmo médico. Na segunda quinzena, só deu São Silvestre… E não é que valeu a pena a dedicação. Muito, muito, muito a pena!

No último dia do ano, tenho acesso aos exames, e respectivos relatórios. Acho que li três ou quatro vezes, para não haver enganos. Tal como o médico tinha dito, os ossos estavam conformes. A dor, que entretanto estava calminha, normal face à ausência de treinos exigentes, era de uma qualquer articulação. Situação  que o médico me explicou mais detalhadamente na consulta seguinte. A sacroíliaca esquerda. Tanto pode ser do simples “uso”, o uso na corrida, como de uma má postura num comportamento do dia a dia. Depois faz com que uma articulação fique mais sobrecarregada do que a outra, logo, inflamação!

Às três da tarde do dia 31 decidi ir treinar, uma hora e pouco de corrida, 16 km, depois tomava a decisão de ativar ou não a aventura africana, operação 21, como lhe vim a chamar mais tarde. O treino foi mais para pensar nas possibilidades que haviam de preparar convenientemente uma maratona sub 3:00, em 21 dias. A prova era dia 27, mas a última semana não conta, é de descanso. Decidi que tinha que fazer pelo menos dois treinos longos, 30km e 35km, respectivamente. E dois de 21 km. Mais os restantes de recuperação e técnicos como é óbvio. Para estes quatro treinos, só havia três fins de semana… Toca a improvisar. Vou fazer do dia 1 de Janeiro, terça-feira, um fim de semana. Era a solução possível. Iam ser 21 dias onde tinha que correr tudo bem.

Com noite de ano novo a acabar às cinco da manhã. Tinha tudo para a coisa começar bem… Às 12:30 horas em ponto, estava sentado à mesa do almoço de dia de Ano Novo, com 30 km feitos e banho tomado, já agora. Estava também com muitas dúvidas, como é  que o corpo ia reagir à carga que aí vinha… 
No dia seguinte, por questões de agenda e logística, falo nessa real hipótese pela primeira vez. Como foi possível articular as coisas, essa possibilidade, já não era possibilidade, era já uma certeza. Não havia volta, a máquina estava ligada. Era irreversível.
Os dias  que se seguiram foram em contra relógio, o tempo não pára… Para lá da corrida haviam outras coisas na agenda. Devia um fim de semana fora, aos filhotes, desde o início de Dezembro. Se deves… Paga!!! Paga é como quem diz, tenho sérias dúvidas de quem é que fica mais a ganhar…

Tinha também agendado o último treino no norte do país.  21 km em Viana do Castelo, Meia Maratona Manuela Machado. Fiz estágio na invicta, grande beijinho à Dora e forte abraço ao Carlos. Forte convívio Perneta, em Viana. É uma prova para anotar no calendário. A ideia inicial era marcar o passo ao Carlos, mas limitações físicas do Perneta Mor, impediram essa possibilidade. Acabei por fazer um treino rápido, sem gastar energias desnecessárias. Correu muito bem… 

E finalmente segunda-feira, o primeiro  dia de descanso do plano, dia 21 de Janeiro, o dia mais importante do ano… Ah pois é,  eu tenho o dia mais importante do ano, duas vezes… 
Está de parabéns a minha princesa, 10º  aniversário. Coexistir com ela, é uma experiência sem paralelo, é um privilégio inexplicável. Merece o mundo esta menina!!!

Não falhei um único treino, nos 21 dias. Treinei fora de contexto, fora de horas, sem horas, com temperaturas negativas, com temperaturas positivas, sem temperaturas. Não falhei um único compromisso profissional ou pessoal. Foi fácil?! Aaahhh, isso agora interessa pouco ou nada….

Chego a Marrakesh com dois objetivos, correr abaixo das três horas, e se possível, fazer 2:55. Abaixo das três horas, pelo plano de treinos e objetivo pessoal, as 2:55, para garantir entrada livre em Berlim 2020, se assim entender participar. Nas inscrições deste ano, para 2020, com a minha idade, e 2:55, dispenso sorteio. Ainda não faço ideia se me apetece ir… Falta muito tempo… Mas se me apetecer… Tenho free pass para me inscrever!!!
Mesquita Koutobia

Antes de escrever sobre a maratona de Marrakesh em si, vou deixar uma breve  opinião sobre a cidade africana 
Já agora, uma observação que me parece relevante logo à partida. Quando cheguei a Helsinquia o ano passado, não estava à espera de uma cidade desequilibrada, nem com lacunas visíveis a cada esquina. Os finlandeses não me surpreenderam, as coisas por lá, tem todas um lugar… Quando cheguei a Marrakesh, não estava à espera de encontrar a organização nórdica… Acho que já me fiz entender, em Marrocos, sê marroquino!!!

Grandes discrepâncias sociais, a pobreza e a riqueza, vivem a um muro de distância. Mas isso não afeta a maioria das pessoas, desenvolveram uma capacidade de viverem dentro das suas possibilidades, com genuína alegria. Pedem por tudo e por nada, negoceiam mesmo tudo, mas são muito simpáticos no geral. Marrakesh, está habituada receber, isso é  também o ganha pão deles. Todas as ruas são ruas de comércio, serviços, etc. Os cheiros intensos das especiarias, misturado com centenas de outros aromas não filtrados. A poluição é visível a olho nu, muito óleo e gasóleo no pavimento, derivado de um parque automóvel muito degradado.

E o trânsito?! O trânsito em hora de ponta,  é caótico. Automóveis, autocarros, motorizadas, motos, bicicletas, charretes, a pé… É a anarquia completa!!!

Os táxis… Na foto que pus a ilustrar, já a viagem para o aeroporto estava a terminar,  e o taxímetro dizia “libre". Depois o preço é a olho… Durante a viagem, em conversa com o taxista perguntei-lhe a opinião dele sobre a cidade e sobre o trânsito na mesma. Ele para mim. Aqui a regra, é não haver regras!!! Depois perguntou -me o que tinha vindo fazer, e se era espanhol. Vim correr a maratona e não sou espanhol, sou português. Ele… Ah pois, isso é tudo a mesma coisa!!! Você fala bem francês não é normal nos turistas espanhóis (!!!)… Coisas destas é que a minha professora de francês do 11º ano devia ouvir… Bom, ele também não sabe distinguir Portugal de Espanha… Não se pode ter tudo… Mas não deixa de ser uma opinião!!! (Luis, o Ibérico). 
Fiquei um pouco aborrecido por causa da questão de não haver consumo de bebidas alcoólicas com a naturalidade que estamos habituados, é  uma questão religiosa. Há que manter o respeito.

Mas tenho que confessar, se houvesse um sítio  que servisse, uma cerveja fresca, eu tinha lá ido beber duas ou três acompanhadas com azeitonas bem temperadas de especiarias. Para mim às refeições é vinho,  também ficaria contente se isso fosse possível…

Onde fica? Como se chama?  Não fica muito longe da Koutobia, a mesquita mais importante  de Marrakesh, onde só entram muçulmanos. Kosybar… É  nome do espaço em questão. Não precisam de agradecer!!!


 Por falar em cervejas, vou ter que partilhar um dos segredos do sucesso deste atleta amador. 
Área de serviço de Alcácer do Sal, duas horas  antes da minha primeira meia maratona. Grandes dúvidas entre os estreantes de qual seria o melhor pequeno almoço pré prova… Para mim foi fácil de decidir, na bagagem iam sumos/refrigerantes e uma geleira de cervejas, para depois da prova. Eu não bebo sumos/refrigerantes, com a exceção da Coca-Cola. Não é tarde nem é cedo. O pequeno almoço vai ser uma cerveja com uma sandes com um bife de peru. Como a meia maratona  correu bem…2:19:38, nunca mais perdi o hábito, com a nuance de poder ser também com sandes de queijo, mais fácil de arranjar em qualquer lado.
No outro dia em Viana, fomos tomar o pequeno almoço a uma pastelaria que não tinha bebidas alcoólicas. Eu quase que vi preocupação no olhar do Carlos… Ele, “Então mas não há cerveja para o teu pequeno almoço, então mas…” . Pouco depois o resto da malta, então esse pequeno almoço, a cervejinha e tal… A sério!!!
Pessoal, eu quando estou sozinho, nem me lembro dessa situação, peço desculpa… Mais de metade das maratonas que fiz, nem faço ideia do que comi. É o que houver no Hotel. O segredo, é não haver segredo!!!
Já viram as figuras que eu faço nos hotéis, com os atletas todos concentrados nas quantidades certas do que vão ingerir e tal, e eu…

A foto ilustra o pequeno almoço de Barcelona, Roma, Amsterdão, e de um treino com o pessoal lá  de cima. Onde houve um diálogo caricato entre mim e o barman.
Quero uma sandes de queijo… E… Tem Sumol? Tenho, respondeu. Então fique com ele e traga-me uma cerveja!!! Nunca mais lá voltámos… 


Oito e meia da manhã, Marrakesh, tempo de enfrentar mais uma besta, de frente, com os objetivos que relatei anteriormente. A prova tem um percurso muito equilibrado, e  a temperatura estava boa para corrida.
O equipamento do CAL, não tem só as cores da bandeira portuguesa, como tem as da bandeira marroquina, vermelho e verde. E não é que isso teve as suas particularidades ao longo da prova. Os miúdos mais pequenos no público, assim que me viam aproximar, começavam a gritar Marrocos, Marrocos, devo ter dado mais de 200 high five ao longo da prova… (Luis, o marroquino). Para o público europeu a assistir à maratona ao longo do percurso… Portugal, Ronaldo, Ronaldo… (Luis, o do país do Ronaldo). É sem dúvida o equipamento mais bonito do mundo, e como dizem em Lamas, e de Lourosa também…
Início de  prova nas calmas, de trás para a frente, como mandam as regras da prudência, quando dei por isso tinham passado 10 km. O nevoeiro e o frio não criaram qualquer adversidade, ajudaram a manter os sentidos alerta. Por volta do km 18 alcancei um grupo de seis ou sete elementos. A “perseguição” tinha começado ao km 14, quatrocentos metros, com ritmos idênticos, levam o seu tempo a recuperar. Fiquei no grupo dois ou três km. Comecei a achar que estava a mastigar passo, decidi ir à minha vida, por volta do km 22 saí. E é aqui que começa uma nova corrida. No grupo ia uma rapariga, que decidiu apanhar a boleia. Fez três ou quatro km atrás de mim sem dirigir uma palavra. Pouco tempo depois, começou a ficar para trás gradualmente… Olhei e perguntei. O que é que se passa?
Os km estão à sair rápidos demais para as minhas possibilidades, respondeu.
Qual é o teu objetivo? Voltei a perguntar. E ela explicou…
Tenho o recorde pessoal de 2:56, estive sem poder treinar à vontade em Novembro e Dezembro… (fez-me lembrar alguém…) Gostava de fazer 2:55, mas não estou em condições físicas disso. Ainda por cima os últimos dez km são mais a subir… Era a sua terceira participação em Marrakesh. É marroquina, mas vive na Dinamarca, com o marido, e três filhotes.
Fiquei um pouco em silêncio e disse-lhe.  Como não tenho objetivos de recorde pessoal, vou marcar o ritmo que tu precisas. Não te deixo ficar para trás. Tu escolhes o ritmo, mas eu marco esse ritmo à minha maneira. A partir dali facilitou e muito a minha prova, com a “preocupação”, abstraí-me da minha maratona, e isso foi muito bom. 
Gostava de ter gravado o último km em áudio… “Eu vou chorar tanto”, “gritos de conquista”, “gritos”, “a minha treinadora não vai acreditar”,  “gritos”, etc, etc, etc…”
Já agora, não ficou nas 2:55 que queria. Fez 2:52, tal como eu, menos quatro (!!!) minutos do que o recorde pessoal. Foi como lhe tinha dito, eu marcava o passo dela… À minha maneira!!!


Não me lembro de ter visto tanto contentamento ao cortar uma meta de uma maratona. Tive alguma dificuldade em tirar a fotografia da praxe. Não deixava de agradecer e olhar para o relógio. Depois na foto, ainda fica apontar a dizer que a culpa é minha… Apontar é feio!!!

Se tenho seguido sozinho, possivelmente, tinha feito menos um minuto ou dois. Ela possivelmente  esmorecia e não chegava ao recorde pessoal. Foi trabalho de equipa. Poderia ter sido diferente,  mas tenho a certeza que não tinha sido a mesma coisa. Tenho também a certeza, que se fosse ao contrário, ela fazia o mesmo por mim. A isto chama-se corrida amadora no seu melhor. Ficámos os dois a ganhar. Como já tenho dito, estes é que são os meus “pódios” preferidos.

Boas corridas.













4 comentários:

  1. Caro Luis,
    Parabéns pelo excelente relato desta prova africana.
    O interessante é que o meu filho estava lá de férias a praticar surf e mandou-me uma foto da prova dizendo "tens de vir fazer esta".
    Boas corridas
    MIKE
    Happyrun

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    1. Obrigado Mike.
      Acreditas que o taxista que me levou ao aeroporto era fã de surf…, falou-me de Dakhla, no sul de Marrocos. É uma espécie de capital do surf!!! Eu disse-lhe que tínhamos o McNamara a morar em Portugal. Tínhamos as maiores ondas do mundo na Nazaré (Tive que lhe mostrar no mapa… Para ele isto é tudo Espanha). Só não contei esse episódio, porque o post já estava muito esticado…
      Isto está tudo ligado. Abraço!

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  2. Muitos parabéns Luís da terra do Ronaldo, ibérico e marroquino :)

    Excelente relato com um final fechado a chave de ouro, com a bonita história da simpática ajuda que deste à atleta. Muito bonito! Isto é o verdadeiro espírito das corridas :)

    Grande abraço!!!

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    1. Obrigado João.
      Devido ao pouco tempo de preparação, tinha tudo para ser uma prova calculista e metódica. Quiseram as circunstâncias que se tornasse intensa e cheia de conteúdo. É mesmo a corrida amadora no seu melhor.
      Forte abraço!

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